CapÃtulo 5 - A Conversa
— Não se preocupe. Se fosse pra te matar, já teria matado. — ela envolveu a visivelmente abalada Elis com um dos braços e, segurando-a firme, saltou para o alto, por cima dos prédios. Elis ainda gritou assustada com a altura, agarrando-se desesperada em Natasha. Natasha a levaria para onde poderiam conversar.
Em algum lugar escuro, próximo ao prédio onde morava, Natasha pulou para o chão, para que elas entrassem normalmente pelo prédio, sem que atraíssem atenções entrando pela janela de seu apartamento e, quem sabe assim, Elis tinha um pouco mais de confiança nela, já que estariam agindo de forma mais natural para os padrões humanos. Apesar que, depois de tudo o que acontecera naquela noite, inclusive os saltos sobre os edifícios há pouco, provavelmente não iria servir de nada. Elis adentrou quase como se estivesse em transe, não fez nem menção de tentar dar meia volta e correr dali. Talvez ela tivesse entendido que assim seria melhor. Se acontecesse d'ela tentar ir embora, teria que impedi-la.
Elas caminharam lado a lado, passaram pelo pequeno, porém elegante hall de entrada, seguiram para o elevador, que como quase todos os outros de demais edifícios, tinha um grande espelho no fundo, para que as pessoas se olhassem. Elis assustou-se novamente quando viu apenas o seu reflexo no espelho, o de Natasha não existia. Ela voltou seus olhos espantados para Natasha ao seu lado, para ter certeza de que a via. Só conseguia pensar que, ou estava enlouquecendo, ou, se tudo o que falavam sobre vampiros nos livros e filmes fosse verdade, a inexistência do reflexo de Natasha no espelho, era uma prova de que ela era de fato uma vampira.
Natasha obviamente reparou a reação de Elis. Ela praticamente nunca pegava o elevador. Quando queria ou precisava, descer ou subir como uma pessoa normal, usava as escadas — mesmo morando no sexto andar —, justamente para que ninguém se deparasse com a falta de sua imagem no espelho do elevador. Por sorte e, bem, porque Natasha havia usado a sua apurada audição, ela soube que não havia ninguém na entrada do prédio e nem no elevador. Assim pôde passar pela entrada do prédio sem correr o risco de alguém lhe descobrir.
Elas deixaram o elevador, assim que este chegou no sexto andar, seguiram à esquerda do corredor, Natasha guiou Elis até a segunda e última porta, de cor marrom tabaco, a abriu e fez um convite com a mão para que ela entrasse. Elis entrou ainda desconfiando do pior, estava com muito medo, não sabia o porquê estava deixando Natasha levá-la até o seu recanto. Se questionou por não ter corrido há pouco, quando foi mais oportuno. Talvez não tivesse mesmo muito o que fazer, afinal estava ao lado de uma vampira, ou talvez, fosse mais corajosa do que pensava. Muito mais.
Natasha entrou e fechou a porta atrás de si. Elis observava a tudo. Era um apartamento bem normal, pequeno, dividido entre uma cozinha americana à direita, uma sala-quarto no centro e, à esquerda, a porta fechada devia ser o banheiro. Aparentemente não havia nada que pudesse indicar que Natasha era uma vampira. A não ser pelo tom obscuro do ambiente, mesmo de luz acesa.
— Uma vez eu vi um documentário que falava que foram encontrados corpos de pessoas tidas como vampiras no século 18, ou 19, enterrados na ilha de Lesbos.
— Sim. Alguns eram acusados de serem vampiros por deformidades, problemas psiquiátricos, ou quando acometidos pela tuberculose, conhecida como consumição. Um tuberculoso tossia sangue, ficava pálido por conta da anemia, fraco, com olhos avermelhados, com sensibilidade à luz. Na época tudo se levava a crer que a pessoa tinha sido mordida por um vampiro. Eles não estavam longe da verdade, afinal alguns sintomas da tuberculose se parecem de fato com os de quem é mordido por um vampiro.
Elis ouviu atenta ao que Natasha acabara de contar. Ficou pensativa por alguns segundos e, então, pareceu se lembrar de algo. Passou a mão na lateral de seu pescoço.
— Algumas semanas atrás, eu fui encontrada desmaiada na frente da biblioteca. Minha amiga Carla e um rapaz me ajudaram a levantar e, depois ela me levou para casa. Eu me sentia meio fraca, mas não tinha dores. Até que, pouco antes de me deitar, senti um desconforto no pescoço e vi no espelho que estava machucado. Eu estranhei, mas pensei que tivesse batido em alguma coisa ao desmaiar. — encarou Natasha — Agora eu entendo. Foi você, não foi? Você me mordeu.
Natasha reservou-se ao silêncio por um momento.
— Sim.
Elis sentiu-se estremecer novamente. Estava correndo um grande perigo de morte. Aliás, já havia corrido esse perigo e, nem ao menos, se lembrava do que tinha acontecido.
— Como você quer que eu confie em você, sabendo que você já quase me matou antes?
— Me perdoe. Aquilo foi um erro, um momento de descontrole. — Natasha sentia-se muito arrependida por tal violência com a moça que lhe proporcionara uma incrível noite no outro dia. — Eu tenho lutado contra isso já faz um tempo. Não quero agir como um completo monstro. Quero resgatar um lado humano que um dia já tive.
Era bem difícil de imaginar um vampiro pedindo perdão por ter mordido alguém. Nas histórias isso quase nunca acontecia. Será que ela estava sendo realmente sincera? Afinal, vampiros eram conhecidos por serem gentis na ficção, para seduzirem suas vítimas. E de fato Natasha era muito sedutora. Aqueles olhos penet*antes, aquela voz meio rouca, aquele jeito intimidador Mas, ao mesmo tempo, se ela quisesse ter sugado seu sangue até a morte, já havia tido a oportunidade várias vezes. Mas, e se assim tivesse mais graça para ela? A demora, a espera, a conquista.
— Como aconteceu? Por que você... — Elis não concluiu sua pergunta. As mesmas imagens que vieram à sua mente dias atrás, do sonho que tivera e, que Natasha estava bem presente nele, voltaram a invadi-la. Ela olhou mais uma vez em volta, parou os olhos na grande janela, com uma poltrona escura ao lado e a cama desarrumada à frente. Sim. Ela reconhecia aquele cenário.
— Não foi um sonho, foi? — estava um tanto atônita.
Natasha logo imaginou que o sonho que Elis comentou que teve, só podia ser uma lembrança do que havia acontecido. Já que ela parecia estar reconhecendo o ambiente, isso era uma prova de que estava se lembrando. Se havia algum resquício de lembrança para ela, é porque havia tido alguma importância.
— Não, não foi.
Apesar de Elis ficar um tanto impactada com a descoberta, no fundo ela pressentia algo do tipo. Então, ela havia se deitado com uma vampira. Toda aquela volúpia que sentiu fora real.
— Você e eu, naquela cama? — ela tentava processar — Como eu vim parar aqui? — ela precisava saber, precisava retomar a consciência do que havia se passado.
— Nós nos conhecemos na biblioteca que você tanto ama frequentar. Eu tinha muita vontade de revisitar uma biblioteca naquela dia. Era algo que eu costumava fazer quando era humana, passar horas na biblioteca. — Natasha caminhou até o lado da cama, ficando de frente para a janela para contemplar a noite, enquanto contava à Elis o que ela queria saber.
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Natasha adentrou na Biblioteca Pública e foi direto procurar por seus estilos preferidos de leitura: romance, suspense policial, fantasia e poesia, afinal, na época em que vivera a sua juventude, a poesia era muito mais apreciada. Procurou por Shakespeare, Safo, Agatha Christie, Arthur Conan Doyle. Passou a mão pelos livros, como se estivesse os cumprimentando. Escolheu "O Misterioso Caso De Styles" e dirigiu-se para os fundos da biblioteca, onde sempre gostou de ficar. Sentou-se numa mesa vazia ao canto direito. No canto à esquerda havia outra mesa, onde uma única jovem lia compenet*ada o seu livro.
Natasha se envolvia novamente com a estória que já havia lido, muito tempo atrás, mas não conseguia evitar que seus olhos, vez ou outra, admirassem a moça no outro canto. Percebia que suas feições mudavam de acordo com as emoções que sentia ao ir descobrindo a estória que estava lendo. Era encantador. Seus olhos brilhavam. Ela estava mesmo mergulhada naquela leitura. Num momento em que a moça, de cabelos castanhos claros, virou-se na cadeira, ficando de frente para a direção dela, segurando o livro com as duas mãos, Natasha estreitou os olhos para tentar descobrir qual era o nome do livro, da história que a cativava. Estava a alguns metros de distância, mas contava com uma visão quase de águia.
"Romeu & Julieta"
É claro. Um clássico. Natasha deu um sorriso de canto de boca. O destino era mesmo intrigante. Notou que a jovem, que usava óculos quadrado, estava chegando ao trágico fim da história. Esperaria que ela a concluísse, enquanto isso prosseguiria com a que estava em mãos.
Quase uma hora depois, a sua companhia indireta fechou o livro, dando um suspiro. Com certeza ela havia sentido a dor do triste fim do casal. Ela ainda segurava o livro como se sentindo mais um pouco o que acabara de ler. Natasha se levantou e foi ao encontro dela, antes que ela decidisse ir embora.
*— "Meu coração amou antes de agora? Essa visão rejeita tal pensamento, pois nunca tinha eu visto a verdadeira beleza antes dessa noite." — falou naturalmente, puxando uma cadeira, sentando-se, demonstrando uma certa simpatia, um tanto incomum para ela. Encarou a moça nos olhos quando ela levantou o olhar sendo tirada de seus pensamentos. Ela ficou surpresa e lhe deu um sorriso.
— Você gosta? — ela ainda segurava o livro com carinho.
Natasha confirmou com uma mexida de cabeça.
— Também sou dada ao drama.
— É tão lindo, tão devastador, tão poético. — ela falou com certa empolgação e com uma certa dor.
— E eterno. — completou, com um sorriso se formando em seus lábios, enquanto a moça lhe devolvia o olhar.
*— "Estas alegrias violentas, têm fins violentos, falecendo num triunfo como fogo e pólvora, que num beijo se consomem."
— Como já diria Shakespeare, "O amor é a única loucura de um sábio e a única sabedoria de um tolo."
A jovem lhe abriu um sorriso ainda maior, em encantamento.
— Eu me chamo Elis, e você? — estendeu a mão em cumprimento.
— Natasha. — apertou-lhe a mão delicadamente, sentindo a suavidade e o calor da pele dela.
— Então, o que você estava lendo, Natasha? — observou o livro em suas mãos.
— Agatha Christie.
— Meu Deus, eu amo! — novamente demonstrou surpresa e entusiasmo.
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Natasha permanecia fitando a noite através do vidro da janela. Elis agora se encontrava próxima a poltrona.
— Ficamos ainda um bom tempo trocando gostos em comum pelos livros.
— Eu lembro. Eu lembro dos seus olhos olharem profundamente nos meus. Me senti como se estivesse sendo lida, entendida. Nunca me senti assim com ninguém. — a medida que Natasha foi contando o que aconteceu, as cenas foram voltando à cabeça de Elis, como se tivessem acabado de acontecer.
— O mesmo me aconteceu. — afirmou. — Bom, nós saímos da biblioteca juntas e acabamos trocando beijos em algum canto pela rua. Então viemos para cá. E você já sabe o resto. — voltou-se para Elis, que lhe prestava atenção. — Mas o que acontece é que eu não devia ter te abordado aquela primeira vez, nem ter te trazido para a minha cama e, muito menos ter te mordido. — preferiu ir direto ao ponto. — Também não devia ter te seguido depois. Graças a isso, Cordélia apareceu e, agora, não posso deixar que você volte para sua casa, enquanto não me certificar que ela não lhe fará nenhum mal.
Elis ficou mais séria do que antes. A preocupação voltou à tona.
Fim do capítulo
* Trechos de Romeu & Julieta, de William Shakespeare.
Obrigada a quem leu! Comente se gostou, se quiser sugerir, fazer uma crítica construtiva. Os próximos capítulos serão mais emocionantes.
Comentar este capítulo:
Zaha
Em: 16/06/2018
Oie Rafinha!!
Tudo bem?
Que bom que vc decidiu continuar com a estória!!
Continue pq é um bom enredo, pode sair uma ótima estória, jogue duro!! Sei que está acostumada com poemas, mas tá indo mt bem por aqui tb!
Já quero sabe o que Cornelia vai aprontar...vejo que sofrerei rsrs
Até o próximo capítulo
beijao
Resposta do autor:
Oie!
Desculpa a demora pra te responder! Deixei pra responder seu comentário no dia seguinte ao ter lido, aí acabei esquecendo. A cabeça tá meio ruim.
Obrigada, Lai!! Que bom que vc acha isso! Vou me esforçar pra fazer uma boa estória. Obrigada pelo incentivo!
No próximo capítulo Cordélia aparece. Só tenha um pouco de paciência, pois vou viajar e não sei o dia certo que poderei postar. rs
Até, minha amiga
Beijão!
Donaria
Em: 29/08/2018
ola autora!! assim que fiquei sabendo que estas a escrever vim apreciar seu texto! gostei do que vi e quero continuar a ler, por favor continue nos agraciando com uma boa historia de vampiros, esses contos vampirescos meus olhos brilharem.
Resposta do autor:
Olá! :D
Muitíssimo obrigada por me prestigiar e por comentar!
Darei continuação à história, pelo menos, por mais uns 3 capítulos. Vou tentar agradar. E fique à vontade para dar sua opinião.
Bjos.
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