Capitulo 21
O dia do meu aniversário chegou. Quando meu celular tocou, insistente, eu despertei. Procurei por cima da cama, embaixo dos travesseiros, passei a mão em todo canto e nada, só o barulho da chamada persistia. Eu me debrucei na cama, olhando embaixo dela, e o avistei lá em um cantinho, vibrando. Eu devia tê-lo derrubado enquanto dormia. Desde que comecei a namorar, não soltava mais o celular para nada. Agora ele dormia embaixo do meu travesseiro e muitas vezes amanhecia no chão. Peguei-o com dificuldade e atendi:
— Oi, amor, faz tempo que está ligando? ― Despertei de vez. Com o celular preso entre meu rosto e ombro, tentei, sem sucesso, prender os cabelos.
— Bom dia, minha namorada linda. Essa é a terceira vez que ligo, e feliz aniversário. Tenho uma coisinha pra você ― ela falou, cheia de mistérios.
— Não preciso de nada. Só você já me basta. ― Eu estava sendo sincera, meu maior presente era ela fazer parte da minha vida.
— Um dia, quando eu estiver bem velhinha de óculos usando chapa, os cabelos caindo e de bengala, eu quero que me diga essas mesmas palavras. — Quando Bia terminou de falar, nos duas estávamos às gargalhadas.
— Te amo e amo mais ainda por me querer na sua vida até velhinha. Pode descer e vir pra cá. Quero passar o dia do meu aniversário todo com você. — Seria a gloria, era meu primeiro aniversário namorando alguém.
— Só tomar um banho e vou correndo para aí. Guarde café, vamos tomar juntas. — Só deu tempo de mandar beijinhos e ela desligou. No mesmo instante, ouvi batidas na porta. Por pouco a família não pega no flagra e eu saía do armário antes do que planejamos.
— Entra ― gritei, colocando o celular dentro da gaveta da mesinha.
Meu quarto foi invadido literalmente por todos os irmãos, pai e mãe, que pularam na minha cama. Meu pai ficou em pé, observando tudo.
— Feliz aniversário, minha flor! Trouxemos duas bandejas porque tem o Marcos e o aniversario é dele também. — Minha mãe tinha os olhos marejados.
Nas duas bandejas de café repletas de guloseimas, tinha um café preto fumegante do jeito que eu gostava, suco de graviola, torradas e queijos, tudo que o Marcos gostava.
Mamãe foi a primeira a me abraçar apertado assim que depositou a bandeja no lado da cama. Ela me presenteou com uma corrente de ouro com um pingente de rosa. Cada um de meus irmãos me deu uma lembrança. Meu pai foi o último. Meio sem jeito, sentou na minha cama, me abraçou e colocou uma caixinha na minha mão.
— Você e sua irmã são minhas princesinhas. Mesmo que nunca diga, vocês duas são o motivo do meu orgulho. Feliz aniversário, minha boneca.
Eu só tinha olhos para meu irmão, que sempre foi rejeitado pelo meu pai e eu não entendia o porquê. Já que éramos gêmeos, as palavras de amor eram para ser divididas, mas, para o papai, parecia que filhos eram só eu e Virginia. Marcos fingia que não ligava, mas eu sabia que ele ficava chateado, por isso fiz questão de chamá-lo para sentar comigo na cama e o abracei.
― Feliz aniversário, irmãozinho. Você é a minha parte livre, sem medo. E eu te amo por tudo isso. ― Meus olhos encheram de água. Marcos tinha tudo que eu queria ter: coragem para viver como bem entendesse.
― E você é a melhor parte de mim, maninha. ― Ele me abraçou e beijou. Em seguida, levantou-se. — Já vou logo avisando não quero bolo, mamãe. Pode colocar minha vela no bolo da Marina e, na hora dos parabéns, a gente apaga junto.
― Amo todos vocês, família, e, se pudesse escolher, nasceria novamente nessa família. — Não consegui dizer mais nada. Um bolo se fez no meu estômago, sabendo que eu os estava enganando e com medo do que meu pai faria quando descobrisse que sua boneca estava apaixonada por outra boneca. Ele ia pirar e só pensar nisso me deixava triste. De coração partido.
— Nós também te amarmos muito e estaremos sempre aqui. Aconteça o que acontecer, sempre seremos sua família — minha mãe afirmou e eu rezei para ser verdade, pois a hora de colocar à prova suas palavras estava se aproximando. Eu queria tanto acreditar que, quando chegasse o momento de contar a verdade, eles iam estar do meu lado.
Ficamos ainda um bom tempo conversando e abrindo meus presentes. Quando todos iam saindo, Bia entrou, já que a porta do meu quarto estava aberta.
— Bom dia. Com licença. — Foi entrando com um sorriso aberto.
— Entra, filha, viemos todos tomar o café da manhã no quarto da minha flor, mas eu acho que ainda tem coisa gostosa para vocês. — Minha mãe apertava Bia nos braços em um abraço apertado e meu pai fechou logo a cara. Dava pra ver o quanto ele não gostava da Bia. Era sempre assim quando ela vinha aqui para casa.
Meus irmãos foram uns babacas com ela, tiravam brincadeira e escondiam seu gorro jogando de um para o outro enquanto ela tentava tomar. Meu pai foi quem pôs fim à bagunça:
— Vamos acabar com essa bagunça ― falou direto para Bia. ― Olha, garota, esse momento deve ser só da família. Onde já se viu uma garota dar flor a outra? Isso é coisa para namorados.
Bia continuou com o sorriso aberto como se não tivesse sido ofendida. Antes de ele dizer mais ofensas, eu falei:
― Papai, não seja grosseiro. Ela está aqui porque eu chamei, para fazer parte do meu café da manhã e me ajudar a arrumar as coisas. ― Tive vontade de rir ao ver as caretas horríveis que Marcos fazia atrás do papai.
― Vamos todos descer. Meninos, devolvam o gorro da Bia, a gente tem muita coisa pra organizar. ― Minha mãe empurrou todo mundo para fora do quarto e saiu, fechando a porta rapidamente. Meu pai a abriu e lançou um olhar de ódio em direção a Bia, que permanecia sentada na ponta da cama. E tão logo todos desceram, eu pedi que ela fechasse a porta novamente.
— Feliz aniversário, minha linda. Esse é o seu presente, espero que goste. — Passou para os meus braços um buquê de flores e uma caixa pequena.
Amei as flores, mas a outra caixa ganhou minha atenção e curiosidade. Coloquei as flores na mesinha de cabeceira e já estava tentando abrir a caixa quando ela segurou minha mão outra vez.
— Aí dentro tem algo que é muito importante, pois revela o quanto você é importante pra mim.
Fiquei curiosa, desembrulhei e, dentro, tinha outra caixa. Abri essa outra e me apareceu mais uma. Bia já estava rindo, vendo minha impaciência. Depois de muita briga para abrir mais duas caixas, surgiu um pendrive preto de oito gigabytes. Fiquei com aquilo nas mãos, esperando uma explicação.
— Aí nesse pendrive tem a nossa história desde que nascemos. Nas vezes que viajava de férias pra cá, minha mãe filmava tudo, batia foto de cada passo que a gente dava para que minha irmã Geruza sempre lembrasse da madrinha dela e da família daqui. Quando eu falei pra minha irmã do seu aniversário e contei o que queria, ela encontrou uma fita cassete com nós duas ainda pequenas, procurou uma loja especializada e transformou o vídeo em MP4. Desde semana passada que eu estou com ele, é meu presente.
— Vem cá, senta aqui do meu lado e traz meu notebook. — Dei duas palmadinhas na cama, apontando o local onde era para ela ficar.
Nós nos aconchegamos e ela passou o braço em meus ombros. Liguei o note e em seguida surgiram dois bebês, uma loirinha de olhos verdes e outra bem moreninha, correndo na praia, a menorzinha de fralda e a maiorzinha só de calcinha, que corria segurando a outra pela mão. Elas iam e voltavam com o balde cheio de areia. Em algumas partes, a loirinha tentava colocar a menor nos braços e as duas caíam. Antes de a moreninha chorar, a loirinha ficava passando a mão no seu rostinho e beijando o machucado.
Mais à frente, elas aparecem maiores. A morena mostrava ser uma linda criança de 4 anos e a outra, uma linda loirinha pelada, correndo e se escondendo. Atrás de algumas plantas, uma mulher que Marina não reconheceu perguntou alguma coisa à menina menor e ela respondeu em negativa. Quando a mulher saiu da visão da câmera, a morena correu, pegou na mão da loirinha e as duas correram, escondendo-se nas pedras. Em outras vezes, elas estavam sentadas brincando, a moreninha sempre no colo da loirinha. Em outras, elas tomavam banho, uma lavando o cabelo da outra, e o resto da filmagem era da casa, do bairro e da mãe da Bia.
— Você sempre foi assim de bem com a vida, né?
— Acho que sim. Jenny, a ex-esposa da minha mãe, disse que a gente era muito unida e que, quando acabavam as férias, eu chorava dias querendo voltar.
— Você numa fala da sua mãe Jenny. Como ela era?
— Uma mulher que vive para a ciência, distante e concentrada no trabalho. Ela é cientista, na área da genética. Como você sabe, eu fui gerada por inseminação artificial. Meu pai biológico era irmão da Jenny. Ele também é pai do Bernardo e da Roberta, só que eles são de uma mãe de aluguel. No fim, minha mãe ganhou na justiça a guarda deles e adotou todos. Meu pai tinha a guarda deles e, quando morreu, minha mãe brigou para ficar com todos, uma vez que já morávamos todos na mesma casa. Eu tinha quatro anos quando elas se separaram. Minha mãe ficou aliviada, o casamento delas não estava dando certo. Elas foram casadas por mais de seis anos.
— Eu não entendo muito de casamento, mas acho que só devemos ficar juntos quando a gente se gosta. Aqui em casa, o papai é cego de ciúme da mamãe, mas não acho que eles se amam, principalmente a mamãe. Acho que ela só está com ele por causa da gente. ― Ofereci um copo de suco, o que ela aceitou de bom grado, bebendo imediatamente.
— Mas quando o amor acaba, é melhor separar. Não dá pra manter uma família só por causa dos filhos. ― Bia tinha a mesma opinião que eu.
— Também acho, jamais ficaria com alguém sem amor. E, mudando de assunto, você vai passar o dia aqui comigo, não é? — falei, toda animada.
— Não existe outro lugar onde eu queira ficar que não seja aqui.
Minha mãe gritou lá de baixo para descermos, que tinha muita coisa para fazer. Trocamos uns beijos e descemos.
― Bia, sabe me dizer se sua mãe já acordou? Ela e eu vamos cuidar de tudo por aqui.
― Já, sim, dona Fabiana. Ela estava se perfumando toda.
— Marina, suas amigas chegaram e já estão lá do outro lado, ajudando os meninos, e sua prima Gerlane também. Meu cunhado está lá do outro lado com sua mulher, estão com seu pai e o pessoal das lojas. Seus avós também já chegaram e foram trocar de roupa.
Estiquei os olhos para o lado onde meu pai estava, já tinha muita gente e o churrasco rolava solto. Ninguém ali parecia preocupado com quem era a aniversariante. Reconheci alguns, outros eram desconhecidos. De repente, os pelinhos da minha nuca se arrepiaram com a voz esganiçada da minha prima:
— Ora, ora, veja só a minha priminha, como cresceu. E quem é esse colírio?
Ela me abraçou rapidamente e logo soltou para segurar a mão da Bia, que ficou olhando sem entender nada. Gerlane tinha uns vinte anos, era morena como eu, mas com o cabelo liso e preto, olhos castanhos e muito bonita, tanto de rosto como de corpo. Seu único defeito era se achar irresistível e pensar que todo mundo era afim dela. A cada férias que passava com a gente, ficava com Marcelo, nada sério pra nenhum dos dois, e o fato de se insinuar pra Bia talvez fosse por achar que ela fosse um garoto.
— Bia, essa é minha prima Gerlane. Prima, essa é Biatriz.
— Biatriz, é? Interessante, eu jurava que era um boy. Sem ofensa, mas, caralh*, você é top.
— Valeu. ― Bia soltou sua mão e se virou para mim enquanto falava: ― Marina, vou dar um pulo lá em casa, ver se minha irmã já chegou.
— Não demora, tem muita coisa pra arrumar.
Bia deu uma piscada de olho e se foi. Minha prima seguiu seus passos com o olhar.
— Prima do céu. Que coisinha linda é essa? Hoje eu vou me dar bem. Ela namora alguém aqui? Não, senão estaria na coleira. Como eu sei que você não gosta do produto, só me resta deduzir que o Deus Grego não tem dona, ou melhor, não tinha.
Aí, meu senhor, isso não ia dar certo, eu já estava com vontade de dar uns sopapos na oferecida da Gerlane, e olha que a Bia nem olhou para ela, imagina se eu pego as duas de conversinha. Ia dar merd*, eu estava sentindo.
Fui receber minhas amigas e cuidar da arrumação com elas.
― Marina, essa tua sogra é muito parecida com a Biatriz, as duas parecem gêmeas ― Bethânia comentava baixinho, só para o grupinho.
― Psiu, fala baixo, o papai tem ouvido biônico e não sei por que ele detesta a dona Luiza e a filha, e, sim, eu fico olhando para ela e imaginando como a Bia será no futuro. ― As duas pareciam irmãs, não mãe e filha. Dona Luiza, percebendo que estávamos olhando para ela, fez sinal de tchau para nós.
― Agora que a dona Luiza chegou, vamos guardar as roupas de vocês lá em cima. Depois do almoço vai começar o nosso momento beleza. ― Fui subindo e separando o quarto de visitas para todas, uma vez que iam dormir aqui depois que a festa acabasse.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 24/04/2022
Eita essa festa promete viu.
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