Capítulo 9 - Se acaso me quiseres...
Estava completamente bêbada de sono quando senti o avião tocar o solo. Mal conseguia ficar de pé. Passamos direto pelo saguão, já que ambas só tinham mala de mão. Carol se apressou em ir procurar um táxi, até que lembrei vagamente que havia deixado meu carro no estacionamento do aeroporto, já que, de início, pensava que iria voltar no mesmo dia para casa.
Consegui, sem muita convicção, dizer que meu carro estava lá, mas ela não me levou a sério, pois eu sequer articulava as palavras de maneira correta. Abri a bolsa e mostrei a chave e o cartão do estacionamento. Enquanto Carol pagava, eu sentei no meio fio, deitei a cabeça nos meus joelhos e dormi. Fui acordada por ela, dizendo que precisava saber onde meu carro estava.
Dei instruções vagas sobre a localização, modelo e cor, que ela cruzou com a da placa que estava no cartão. Dez minutos depois, ela tentava me convencer que eu não tinha nenhuma condição de andar, quanto mais de dirigir. Cedi o lugar do motorista a ela, abaixei o banco do carona e dormi.
Vinte minutos depois estava dentro de um elevador desconhecido. Lembro-me de entrar em um lugar onde havia figuras que pareciam de origem africana, acho que também havia índios.
Acordei gritando, no meio de mais um pesadelo. Olhei ao redor, tentando reconhecer o lugar, quando Carol entrou correndo e perguntando o que tinha acontecido. O sono e o cansaço eram maiores do que a minha vontade de dar explicações. Eu estava confusa e acho que isso ficou claro.
– Ei, está tudo bem. Você estava com muito sono e, como, não sabia onde você morava, trouxe você para minha casa – explicou ela.
Eu, então, de olhos fechados passei a mão pela gola da camisa.
– Não quis mexer na sua mala, então tirei sua roupa, mas não toquei nas peças íntimas – frisou ela – e coloquei uma blusa minha para ficar mais confortável.
Não esperei ela acabar de falar e dormi de novo.
Outro pesadelo e novamente despertei com um grito.
Carol apareceu com um copo d’água na mão. Sentou ao meu lado e eu prontamente a abracei, tão forte, como se ela pudesse me proteger dos meus pensamentos.
– Foi só um sonho ruim. Está tudo bem. Estou dormindo na sala, qualquer coisa é só chamar – acalmou ela.
– Fica aqui comigo, por favor?! – eu disse, assustada.
– Tá bom – atendeu ela, deitando ao meu lado.
Em seguida, sentei na cama ainda cochilando e disse:
– Tenho que ir. Tenho uma reunião.
– Meu bem, você está morrendo de sono. Não tem reunião nenhuma, são 3h20 da manhã e é sábado. Eu estou aqui com você. Vem dormir – disse ela.
Desabei na cama e só senti o peso do edredom que ela colocou sobre mim para me proteger do ar-condicionado.
Acordei às 10h da manhã, ainda sonolenta. Abri os olhos e não tinha ninguém. Fui retomando a consciência aos poucos e pude observar fotografias de negros, que pareciam africanos, e índios, emolduradas e penduradas nas paredes.
Casa de antropóloga – pensei.
As fotografias eram belíssimas e retratavam tão somente pessoas, nenhuma cena ou coisa parecida, apenas gente.
Fiquei na cama com os olhos abertos, esperando que alguém pudesse vir me descobrir.
Já estava quase me rendendo ao sono novamente, quando Carol entrou no quarto empunhando uma bandeja.
– Vim pronta para acordá-la, mas já vi que fez isso sozinha! – confessou.
Encolhi-me embaixo do edredom e virei o rosto para o lado como quem quer voltar a dormir.
Ela sentou na cama e colocou a bandeja ao meu lado dizendo:
– Se você comer, prometo que te deixo dormir – sentenciou ela.
Sentei e comecei pela salada de frutas. Depois comi uma torrada com requeijão e tomei um suco de laranja.
Ela olhou para mim e perguntou:
– Quer mais alguma coisa?
– Quero fazer xixi – supliquei.
Carol apontou para a porta do banheiro e eu levantei esticando a camisa. Quando fechei a porta, escutei ela gritar:
– Essa escova de dentes azul aí em cima é sua!
Respondi também gritando:
– Obrigada!
Voltei para a cama e me enfiei novamente embaixo do cobertor.
Ela disse que estaria na sala, caso eu precisasse de alguma coisa.
Chamei-a e disse:
– Você devia aproveitar e dormir um pouco. Sei que atrapalhei seu sono durante a madrugada. Olha, queria te dizer que não sou sempre assim, mas acho que os acontecimentos me deixaram tensa.
– Meu bem, não estou nem um pouco preocupada com isso. Se você for assim, por mim não tem problema, vou estar aqui do seu lado. E se não for, também estarei igualmente aqui – declarou ela.
Baixei os olhos e agradeci.
– Obrigada
Ela piscou o olho e disse:
– Agora dorme, que você ainda tem tempo.
Não sei quanto tempo mais dormi, mas quando acordei, Carol estava deitada do meu lado como prometido. Ela me olhava com a bochecha apoiada na mão direita. Sorri quando abri os olhos.
– Você deve estar aí pensando: que mulher folgada essa que tá alugando minha cama há horas – disse.
– Pode ficar o quanto quiser. Só estava olhando você dormir – falou. Tá com fome? – perguntou? Tá quase na hora do jantar – disse, olhando o relógio.
– Jantar? – pulei da cama assustada.
– Umhum – confirmou.
– Meus Deus! Tenho que ir – me apressei. – Posso tomar um banho? – perguntei.
– Claro. Já separei uma toalha para você. Está pendurada na porta do box – disse.
Tomei um banho rápido, mas fiz questão de molhar a cabeça para acordar de uma vez por todas. Depois de me enxugar, percebi que não tinha levado roupa para o banheiro. Sai enrolada na toalha. Fui andando e encontrei Carol na varanda. Quando me viu, riu e perguntou:
– Tá precisando de alguma coisa?
– Essa situação é um pouco constrangedora, mas gostaria de saber onde estão minhas roupas – perguntei.
– Vamos lá achar as roupas da bela adormecida – brincou ela, me deixando ainda mais sem graça.
Arrastou uma das portas de correr do guarda-roupa e logo vi minhas roupas penduradas.
– Ei-las! – disse ela, apontando para uma calça jeans e uma blusa de tecido.
– Obrigada! –disse.
– Espero que você tenha a consciência que eu podia ter confiscado suas roupas – ameaçou.
– Sim, eu tenho. E agradeço desde já por não tê-lo feito, pois causaria um grande prejuízo à minha reputação – brinquei.
– Estou à sua disposição – disse ela.
Enquanto tentava desembaraçar os cabelos com os dedos, ela voltou com um pente e enquanto eu dobrava a camisa com a qual tinha dormido e forrava a cama, ela penteava meus cabelos. Quando acabou, eu virei de frente para ela e respirei fundo, dizendo:
– Não sei nem como agradecer – disse.
– Não agradeça. Vou descer com você para te mostrar onde está o seu carro – disse ela.
Descemos juntas no elevador, rindo do meu cabelo, que ela tinha repartido de lado, dizendo que assim eu ficava com cara de menina comportada.
Quando chegamos em frente ao meu carro, ela me olhou e disse:
– Você é uma mulher encantadora. Não esconda isso. Nem todo mundo quer te machucar. E se for o caso, lembre-se de Vinícius de Moraes: “Porque a vida só se dá. Pra quem se deu. Pra quem amou, pra quem chorou. Pra quem sofreu” – disse cantarolando.
– Prometo que vou lembrar – disse, abraçando ela com força.
Entrei no carro e saí da garagem.
Acionei o pendrive no som do carro e escolhi a música 11.
Quem já passou
Por esta vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá
Pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou
Pra quem sofreu, ai
Quem nunca curtiu uma paixão
Nunca vai ter nada, não
Não há mal pior
Do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa
É melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir?
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração
Esse não vai ter perdão
Fim do capítulo
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